quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

HERON DOMINGUES E A RÁDIO NACIONAL

RENÚNCIA DE GETÚLIO (02)
Na Rádio Nacional – na redação de radiojornalismo – Heron Domingues não se cansava de repetir aos seus companheiros de trabalho: a crise está próxima do estado de ebulição.
Não se sabia como ela evoluiria, muito menos seria capaz de arriscar um palpite sobre o seu desfecho.
O seu faro jornalístico não o enganava: algo grave estava por acontecer. Por isso, todos ali na redação tinham de permanecer atentos, de olhos abertos. “Não podemos”, dizia, “Ser surpreendidos ou atropelados pelos acontecimentos.”
Por isso, ele mesmo, Heron Domingues (solteiro, na época), resolveu mudar-se para a redação. Mandara vir uma cama de campanha, improvisara travesseiros e providenciara um enxoval estratégico: duas mudas de roupa, escova, pasta de dentes, cigarros e uma garrafa de conhaque, que o ajudaria a suportar a longa espera e o frio da madrugada. Às vezes, deitava-se com o receptor ligado ao ouvido, utilizando jornais como cobertor.
Naqueles dias de crise de agosto de 1954, Heron elaborou uma escala, de modo a que pelo menos dois “focas” seus estivessem permanentemente com ali.
Durante a última reunião que fizera com sua equipe, alguém

usara a palavra exagero para descrever as providências que ele havia tomado. Heron limitara-se a sorrir: “Pois vamos pecar pelo exagero.”
Dias antes, Heron conversara com o diretor-geral da emissora, Victor Costa, e este, que mantinha linha direta com o Catete, não escondera quanto estava preocupado com os rumos possíveis da crise: “É, seu Heron, a coisa pode estourar a qualquer momento.” O locutor achou melhor não perguntar ao chefe o que ele chamava de coisa.
A coisa seria ou a renúncia de Getúlio (falava-se também em licença) ou a sua deposição.
A primeira hipótese, admitiu o locutor, estava sendo discutida na reunião de ministros que Getúlio convocara para aquela madrugada. A segunda hipótese dependeria da primeira: há dias, ou semanas, vinha circulando a informação de que forças militares estariam prestes a realizar um ataque armado contra o Catete.
Caso Getúlio não renunciasse, o golpe militar seria inevitável, concluiu Heron.
O telefone toca, despertando Heron de seus pensamentos. Atende e ouve com atenção a informação que lhe chega. Desliga e imediatamente escreve o texto que lera ao microfone. Eram 5 horas da manhã. Continua – fragmentos da história do Brasil presenciada pelo autor - Leopoldo Miglióli.

Nenhum comentário:

Postar um comentário